No âmbito da atividade de consultoria, e no acompanhamento que fazemos aos nossos clientes, algumas das frases que mais temos ouvido nos últimos tempos são: “não consigo recrutar as pessoas que necessito”, “as pessoas estão sempre a entrar e a sair e não consigo retê-las”, “os profissionais mais jovens ficam pouco tempo na empresa e eu, na maior parte das vezes nem sei a razão pela qual deixam a empresa”.
Longe vão os tempos do trabalho para a vida, do colaborador que ficava dezenas de anos na mesma empresa por uma questão de segurança e de lealdade. Os tempos mudaram e a forma como as empresas gerem o seu talento tem obrigatoriamente de se adaptar, sob pena de não conseguirem atrair, reter e potenciar o talento necessário e, consequentemente, não conseguirem potenciar a própria empresa.
O que mudou no mercado de trabalho
Então o que mudou? Que circunstâncias se alteraram? Quais as razões para este estado de coisas?Se refletirmos sobre o tema, rapidamente concluímos que:
- Os colaboradores valorizam hoje fatores que há alguns anos eram irrelevantes ou pouco valorizados (trabalho remoto ou híbrido, oportunidades de desenvolvimento sistemático, transparência, clareza no propósito da organização, preocupações relacionadas com a sustentabilidade, etc.);
- O mercado de trabalho é hoje tendencialmente global, pelo que, um colaborador pode, muitas vezes, optar entre uma oferta de uma empresa localizada na sua região ou uma outra situada a milhares de km de distância, e até continuar a viver na mesma casa; mais ainda, tendo em consideração os baixos custos das viagens de avião, é possível ter uma experiência internacional numa empresa de topo e vir a casa todos os fins de semana;
- Em Portugal não há praticamente desemprego, o que significa que em muitos casos a procura é superior à oferta de profissionais, e todos nós sabemos como funciona esta equação da oferta vs a procura: as empresas que necessitam oferecem valores mais elevados, e quem não está satisfeito facilmente encontra uma empresa que apresenta uma oferta melhor.
Face a esta realidade o que é que as empresas podem fazer?
- Desenvolver uma boa imagem enquanto empregador trabalhando e investindo no employer branding; neste campo as redes sociais por um lado e os colaboradores por outro são excelentes veículos de promoção; assim:
- Divulgar a imagem da empresa associada a boas práticas na gestão de recursos humanos é hoje fundamental. Há empresas que divulgam essa imagem em revistas ou nas redes sociais, outras participam em eventos onde comunicam as boas práticas que têm, etc. O importante é divulgar e impactar,
- Garantir que cada colaborador atual ou antigo é um “embaixador” da marca é vital para que a empresa possa continuar a ser referenciada e como tal tornar-se atrativa enquanto empregadora; não é por acaso que várias empresas ou instituições apoiam e incentivam a criação de redes de alumni e é essencial que a saída de cada colaborador seja vista como uma oportunidade e não como uma quebra de relação;
- Garantir uma comunicação interna eficaz, transparente e sistemática, de modo que os colaboradores se sintam envolvidos, informados e no centro das preocupações da empresa. Evitar o “ruído” derivado de falta de informação, ter uma política de porta aberta para responder a todas as questões no momento oportuno e ser claro no propósito e na forma de atuar é fundamental; a existência de reuniões regulares da empresa com o CEO/Diretor Geral/Sócio Gerente onde estes transmitem as informações mais relevantes podem ser um excelente meio de comunicação e que ajude a evitar desinformação.
- Remunerar de modo que ninguém se sinta injustiçado. Ser competitivo em termos salariais, mas garantir sempre a equidade interna é fundamental. O pior que pode acontecer é que um colaborador se sinta explorado, injustiçado ou que pense que apenas olham para as suas condições remuneratórias quando entra alguém na empresa com um salário tal que obriga a ajustar os daqueles que há muito são pedras base para o funcionamento da empresa.
- Premiar e diferenciar, garantindo que quem acrescenta mais valor à empresa deve receber mais como contrapartida pelo seu trabalho, isto consegue-se implementando uma política de remuneração variável clara e atrativa;
- As empresas devem sair do seu casulo e perceber que têm também responsabilidades sociais: seja com os colaboradores, seja com as comunidades onde estão inseridas, seja no campo da sustentabilidade, da responsabilidade social ou das boas práticas em termos de governo, as empresas são mais do que meros instrumentos de lucro e as novas gerações levam esse facto bem a peito.
Estratégias para reter talento
Há, no entanto, outros fatores que devem ser tidos em linha de conta para melhor atrair e essencialmente reter o talento, a saber:
- Proporcionar oportunidades de crescimento com a existência de planos de carreira e pacotes remuneratórios claros;
- Promover o desenvolvimento dos colaboradores através de formação contínua e de desafios constantes e diversificados; o levantamento das necessidades de formação, a existência de um orçamento para a formação e a partilha do conhecimento interno de forma sistemática são boas práticas que devem ser implementadas;
- Assegurar um excelente ambiente de trabalho, onde não só a boa relação entre os elementos da equipa seja promovida, mas onde também seja garantido que a equipa e os novos colaboradores têm espaço para criarem, desenvolverem, inovarem e até errarem; medir de forma regular o nível de satisfação de colaboradores é essencial. Há empresas que adotam essa prática de forma regular (por vezes semanal ou mensal) para monitorar com o máximo de oportunidade possível;
- Implementar políticas que promovam a potenciem o aproveitamento de todo o talento (jovens e menos jovens, mais antigos e mais recentes), retirando de cada um o melhor que cada um tem; a existência de mentores internos, a criação de equipas mistas (diferentes idades, diferentes experiências, diferentes valências) é uma excelente prática com resultados já comprovados em muitas empresas;
- Criar condições para que cada dia seja uma nova experiência para o colaborador, pois o que hoje mais procuramos é viver experiências reais tanto no campo pessoal como no campo profissional e se não as encontramos na atual empresa, vamos procurar noutro lugar;
- Olhar sempre em primeiro lugar para o que cada colaborador tem e não para o que ele não tem; o que tem deve ser aproveitado e valorizado, o que não tem deve ser objeto de planos de desenvolvimento;
- Dar feedback contínuo: não posso exigir que alguém altere as atitudes e comportamentos se não lhe for dado feedback nesse sentido, mas também devo estar atento aos bons desempenhos e metas alcançadas e elogiar;
- Acompanhar de forma próxima, a performance de cada colaborador, através da existência de um adequado processo de gestão de desempenho que permita melhorar de forma sistemática e continuada o desempenho do colaborador.
Do gerir ao potenciar talento
Os tempos que correm são disruptivos e desafiantes para quem gere equipas; atrair reter e gerir o talento é uma aventura diária, mas quando vemos as nossas equipas atingirem metas que pareciam inalcançáveis, quando constatamos que alguns dos nossos ex colaboradores estão hoje em funções de relevo e têm excelentes desempenhos, temos todas as razões para sentirmos orgulho e satisfação. Neste caso, o mérito é todo deles, mas nós tivemos a capacidade de detetar o potencial, motivar e potenciar o seu (bom) desempenho e abrir a porta para que eles pudessem continuar a sua caminhada; no fundo o que fizemos foi ajudar a libertar o seu talento em vez de apenas o gerir.
Gerir talento já não é apenas um exercício de retenção. O desafio está em criar contextos de trabalho ricos em diversidade e onde as pessoas querem ficar, onde, enquanto estão se esforçam por dar o seu melhor, mas também de onde podem partir com orgulho e novas competências, levando consigo também a marca da empresa. Este é o verdadeiro desafio dos dias de hoje!